Eu sempre quis entender: porque não entendo, escrevo. Como jamais entenderei, até o fim da vida tentarei expressar em palavras e entrelinhas esse desejo inalcançável.

Translate

19 de dezembro de 2012

Um oásis dentro de mim.


Eu sei, esse tempo todo foi eu quem te inventei. Mas fui sincera quando disse que você me transformou. Nesses instantes de você, suguei até o fim essa possibilidade de ver a vida de um jeito novo. Essa chance de voltar a acreditar. Não que eu acredite agora, não. Mas poder acreditar, mesmo que por breves instantes, me trouxe alívio, entende?
É como se você me encontrasse caminhando em pleno deserto. Plena de vazios, aridez, vastidão. E então você estendeu a mão, me deu água, sombra e trouxe um pouco de alívio. Mesmo sabendo que em breve teria eu que voltar a caminhar sob o sol forte. Esse mesmo sol que tem queimado minha pele e tem me ressecado por dentro. Não importa. Vivi a parada, o instante. Sempre soube que você era apenas uma miragem. Uma linda miragem. Nos teus braços adormeci na tentativa de afastar o sol. E nos meus sonhos encontrei um céu repleto de estrelas doces, que sempre me lembram pontinhos de luz a brilhar atrás do manto azul escuro, cheio de pequenos furos. Sim, alguém furou o manto da noite, deve ter sido Deus para nos espiar, e pelos furos a luz do dia teima em passar. E foi lá no alívio do azul que encontrei um pouco de paz.

Miragem que é miragem não dura e a luz que passa faz lembrar a hora da partida. Não lamento mais as coisas que tenho perdido pelo caminho, hoje trago na alma a gratidão de ter podido encontrá-las. Porque antes, minhas mãos secas se recusavam a tocar esses pequenos tesouros que encontrava no caminho. Maldizia a sorte de vê-los, prevendo o momento de partir. E nisso estava toda a revolta contra meu destino nômade. A recusa secreta de ser só. Não sei se por amadurecimento ou cansaço, hoje aceito meu destino de andarilha. Uma possibilidade de amor é uma pequena bênção recebida. Seguro contemplativa esse pequeno oásis de vida, água pura. Sem temores, dispo-me de toda roupa e de todo o fardo, deixando apenas uma branca túnica da qual nunca me separo. Mergulho serena na água limpa, mesmo sabendo que ela não está lá. Já não tenho medo de ir até o fundo.


Pequenas oferendas deixadas no caminho, por piedade divina, sempre foram, mesmo para aqueles que as recusam, uma possibilidade de transformação profunda. Você pode mergulhar naquilo inteira, ou tentar evitar. E quem tenta evitar, sabe no fundo que, não há escapatória, que você só vai tornar tudo mais difícil, mais sofrido. Que você vai tentar desviar das águas, mas mesmo assim você irá cair nelas. E se debatendo vai sofrer ainda mais. Ou vai sofrer se acreditar que pode entrar na água limpa e doce, que aquelas águas te aguardavam,que são suas e sempre te esperaram. E então você entra, confiante, e acha que pode ali permanecer para sempre. E então você fica e se recusa a voltar. E então a água vira lama, e te consome, gruda em você e já não é mais possível respirar e nem se movimentar.

E ai você descobre que nada pode permanecer dentro para sempre, que sempre chega a hora de nascer. Que se você não sair ou for expulso, você morre. É preciso seguir viagem. E hoje vejo no teu olhar, que de alguma forma algo mudou dentro de mim. Que a vida não deixou de doer, que o sol não vai parar de queimar, mas o caminho pode ser mais bonito. Que é preciso entrar sabendo que vai chegar o momento de sair, mas que essa lucidez não vai impedir o mergulho, a entrega, o alívio. Que do sol e da lucidez eu não posso escapar, é minha sina, mas na hora da partida posso levar você comigo de um jeito outro, sem ter que morrer, ou ter que ficar. Não é mais preciso secar para poder seguir. Porque é possível amar e mesmo assim partir. Abastecida, até a próxima miragem.

Andréa Beheregaray.