''Tenho aprendido a não esperar muito do outro. Porque reconheço que o outro, assim como eu e todas as pessoas do mundo, tem as suas limitações… Mas do amor eu espero tanto! Talvez por considerar que ele, ilimitado como é, seja a cura para todas as limitações que eu, o outro e todas as pessoas do mundo, temos.''
Dele eu não sei muita coisa… Só que a alma é densa, o pensamento é leve, algumas vezes despreocupado, contradizendo tudo e desfazendo todo o sentido que cabe dentro de uma compreensão. Como sempre é quando mergulhamos nessa lógica irracional – onde mora o ser humano – do que é, e do que não é ao mesmo tempo.
Dele eu não sei muita coisa, mas reconheço o seu cheiro de brisa, bem antes de qualquer aproximação. E mesmo quando ele não me vê, avisto de longe os seus olhos tímidos e desatentos, quase sempre fechados para o mundo lá fora, abertos para o mundo de dentro. Ele e seus olhos habituados a enxergar, apenas, as suas próprias coisas, sendo muito feliz assim. E talvez ele saiba, mais do que eu, o que é a felicidade.
Como eu não sei muita coisa, minha vontade de saber, afirma que talvez ele prefira morar dentro, sei lá. Talvez se sinta mais seguro, onde só cabe a sua própria felicidade; onde ninguém mais toca. Ou não queira mesmo que eu saiba muita coisa sobre a sua vida. Ou seja tímido demais para a falta de vergonha do mundo. Talvez… É a tal da dúvida que me consome, quando eu não sei muita coisa sobre alguém. E dói saber que dele eu não sei quase nada, quando na verdade eu queria descobrir os seus avessos, mesmo que os seus avessos sejam totalmente incompatíveis com os meus. Ele não sabe, mas eu aprendi a lidar com as imperfeições dos outros, quando perdoei todas as minhas…
É… Definitivamente eu não sei! E mesmo não sabendo quase nada, ouço a sua voz desencontrada; as suas palavras desencontradas, quando visito o meu próprio silêncio. Entrego-me ao charme desse seu jeito desencontrado de ser, de não saber aonde ir, onde estar, o que dizer, sem parecer ingênuo e ridículo. Ele, tímido e desatento, com as mãos frias, de quem ainda não aprendeu a se comportar, quando se depara com um coração disposto a se apaixonar. Dele, eu só sei pelo que vejo. Dele, eu só sei pelo que sinto.
A minha razão não espera quase nada dele, enquanto meu coração tonto e perdido, espera tanto. E ainda que eu não espere quase nada, sinto uma vontade imensa de percorrer os seus cantos e me misturar nos seus vazios, mesmo sabendo de todos os riscos. Talvez pelo meu jeito torto de amar; meio complicado, contraditório e dolorido, eu queira estar ali, salvando duas vidas: a minha e a dele. Talvez por supor – dentro dessa pequenez humana de se achar maior do que se é – que ele realmente precise de mim, dizendo bobagens, cantando músicas com as letras erradas, dando pulinhos de felicidade, ou escrevendo qualquer bilhetinho doce e despretensioso, que atenue o sabor amargo dos seus dias. Ou por supor, ainda dentro dessa pequenez humana, que as minhas “asas coloridas”, podem lhe fazer voar sobre o amor que passa bem na sua frente, mas que ele, distraído e tímido, não vê.
Dele eu não sei quase nada. E quase nada é muito, para o pouco que a sua falta de coragem, me revela. Só sei sobre aquilo que dele me dizem; sobre aquilo que ele mesmo nunca me contou. Só sei, que o que ele é a partir da concepção dos outros, contradiz todo o meu querer, não pela distância que nos separa, quando nos deparamos com o abismo que existe entre aquilo que desejamos e recebemos da vida, mas, pelo que ele não foi e não será capaz de ser e fazer por mim.
É… Dele eu não sei mesmo muita coisa. E realmente não tenho nenhuma garantia, de que algum dia, eu saberei. E se souber, talvez, a minha coragem de permanecer ao seu lado, enfraqueça; vai saber… Mas amor é sempre um risco, que a gente precisa correr, para experimentar. E enquanto ele diz os seus absurdos por aí. Enquanto ele reconstrói os seus muros e troca as fechaduras das portas que levam até o seu lugar mais bonito – só para ninguém entrar. Enquanto ele esquece que o amor é o caminho da cura, eu continuo aqui, infinitamente romântica e boba, com o meu coração persistente na mão, sem esperar muita coisa dele. Eu continuo aqui, vivendo feliz, ainda meio desligada do mundo, respeitando os meus os próprios limites, e os dele também. Enquanto ele procura um sentido dentro do espaço apertado da sua própria vida, para quem sabe um dia, depositar em alguém toda a sua esperança de poder recomeçar, com a promessa pessoal de dias mais felizes… Enquanto isso, eu continuo aqui: aguardando o dia em que ele vai despertar do seu sono profundo, e finalmente me convidar para ir ao cinema. Pois é… Talvez ele não saiba, mas eu só queria que ele me levasse ao cinema.
(…) o sol lhe queimava a tez numa insistência que fazia parecer amor ou guerra: ele nunca sabia. Ele quase nunca sabia. Só acreditava em Deus e um pouco no desejo. Deus era o infinito além-mundo que sustentava todas as suas forças. O desejo era o que tremia em seus olhos quando diante dela.”
Carla Jaia (blog de Erica Gaião)