Novembro
Novembro de 1950
Rogério estava tão bem arrumado, todos que o acompanhavam enquanto experimentava o terno ficavam de olhos brilhantes, ali em volta havia uma constelação. Alto, forte, com um bigode bem desenhado e os olhos profundamente poéticos. Esse é Rogério se casando com Juliana, ele espera por sua amada no altar com uma ansiedade incomum, se casaram no dia 2 de Novembro de 1950 e Rogério tinha apenas 20 anos.
Novembro de 2010
-Crianças, venham! Hora da história!
Os pequeninos com seus seis e sete anos pararam a brincadeira assim que ouviram seu avô os chamando, na frivolidade pueril subiram a pequena escada da varanda e adentraram na casa bem conservada, observavam atentos os movimentos de um homem imponente, vivido e principalmente amável.
-Vô! O que vai contar para gente hoje? – Perguntou o mais novo, tinha perdido um dente de leite e sorria aos ventos mostrando suas pequenas janelinhas.
-Hoje contarei a história de minha vida!
Rogério disse com um tom de pesar, sentiu o efeito do tempo em suas pernas, que a qualquer movimento causavam-lhe dor, mas nunca tanta dor quanto carregava em seu coração.
Ajeitaram-se no tapete da sala de estar, a lareira acesa aquecia o inicio do frio de uma noite possivelmente longa, Rogério pegou seus óculos e um pequeno livro de onde tirava as mais lindas histórias. Seus netos surpreenderam-se.
-O senhor tem sua história contata nesse livro vovô?
-Tenho meu neto, tantas histórias quanto janelinhas você tem...
De forma incerta respondeu e aprumou a voz.
-Era uma vez...
“Um homem completo, extremamente generoso e esbelto, pelo menos essa foi a descrição dada por sua amada. Casaram-se em novembro numa linda capela. Ela tinha os cabelos sedosos e olhos de jabuticaba, já o homem era o sonho de todas as jovens da região, além de bonito era também muito rico e sempre trabalhou muito para manter sua fortuna.
O casamento foi maravilhoso, lírios estavam por todos os lados e no fim, depois do esperado “sim” saíram sob forte chuva de arroz; A festa foi uma das maiores com direito a banda de Jazz.”
- O que é Jazz?
-Jazz é um ritmo de musica que vovô sempre ouve, sabe? Os sons do vinil?
-Sim...
“Durou dias, dois ou três, todos da cidade estavam presentes e por fim, na lua de mel, fizeram o amor que tanto esperaram. O tempo passou, mas nunca brigaram. Como ela dizia, Ele era seu príncipe e ela sua tão amada princesa. Tiveram dois filhos, um casal que encheu de vida a casa simples em que moravam. Ele sempre economizava seu dinheiro, deixaria tudo a eles quando partisse de sua vida.
A politica com o decorrer dos anos teve grandes mudanças, que afetavam a vida de todos do país, Rogério tinha muitos problemas com isso, pois era, afinal de contas, um artista além de um empresário. Compunha musicas, escrevia livros e pintava quadros. Mas ninguém admirava, pela condição delicada em que nos encontrávamos, por vezes sofríamos repressões. Tal que a mando de um general malvado, fui preso! Sim, cadeia, apenas por expressar minha arte. Julia que havia se casado comigo há tanto tempo ficou desesperada, tinha dinheiro para sobreviver, mas não tinha meu amor para acalmar.
Na prisão, conheci uma jovem moça, muito mais jovem que eu que havia sido presa pelos mesmos motivos, sofríamos tanto que um dia, bateram-na até arrancarem-lhe sangue dos ouvidos. Muitos machucados e eu ficava ali ao seu lado num esgoto escuro, digo esgoto pois era o que parecia. Meu coração que sempre foi de uma mulher somente, estava ali dividido e no calor do momento, nos amamos com medo de morrermos antes disso.
Mas ela morreu, assassinaram-na em minha frente enquanto ela deixava para traz um livro de historias numa tentativa de fuga, peguei o livro e guardei debaixo de uma pedra do local. Chorei por dias, noites, semanas e talvez meses. Um dia fui salvo, perdoaram meu crime de criar historias e desenhar verdades. Voltei para casa e revi minha tão amada mulher, mas o amor tinha se modificado de ambas as partes. Com o tempo, dormíamos em quartos separados, mas para nosso alivio tivemos netos, dois netos. Foi um momento maravilhoso que me recordo bem.
Ela conheceu outro homem que a fazia muito feliz, mais que eu. Decidiu então separar-se de mim, tempos modernos esses em que tal coisa é possível. Meus filhos, seus pais, a levaram para casa dele que ficava em outro estado, estavam de carro e eu fiquei chorando minhas magoas enquanto vocês dormiam em meu colo. Assim morreram, num acidente sem comum.
Em tantos anos, tantos novembros, fico lembrando de minha vida e me arrependo de não ter sorrido tanto assim para todos. Acabei sendo levado pelo acaso e não me levando aonde devia. Essa é a minha historia e guardem bem essa lição, sorriam para a vida e amem acima de tudo. FIM!”
Os meninos não entenderam bem a historia, Rogerio disse que não tinha problema e fechou o livro, mais dois novembros se passaram e ele então morreu.
Meninos criados agora por tios e tias e o caderno de historias perdido no tempo.
Mal sabem eles que o caderno está vazio, nunca houve uma palavra. Tudo que contou era verdade, ou a verdade camuflada de conto de fadas. Foi essa saída de tantas dores, dores de amor, de viver e de peso pela idade. Essa a saída da realidade, contar historia.
Novembro de 1950
Rogério estava tão bem arrumado, todos que o acompanhavam enquanto experimentava o terno ficavam de olhos brilhantes, ali em volta havia uma constelação. Alto, forte, com um bigode bem desenhado e os olhos profundamente poéticos. Esse é Rogério se casando com Juliana, ele espera por sua amada no altar com uma ansiedade incomum, se casaram no dia 2 de Novembro de 1950 e Rogério tinha apenas 20 anos.
Novembro de 2010
-Crianças, venham! Hora da história!
Os pequeninos com seus seis e sete anos pararam a brincadeira assim que ouviram seu avô os chamando, na frivolidade pueril subiram a pequena escada da varanda e adentraram na casa bem conservada, observavam atentos os movimentos de um homem imponente, vivido e principalmente amável.
-Vô! O que vai contar para gente hoje? – Perguntou o mais novo, tinha perdido um dente de leite e sorria aos ventos mostrando suas pequenas janelinhas.
-Hoje contarei a história de minha vida!
Rogério disse com um tom de pesar, sentiu o efeito do tempo em suas pernas, que a qualquer movimento causavam-lhe dor, mas nunca tanta dor quanto carregava em seu coração.
Ajeitaram-se no tapete da sala de estar, a lareira acesa aquecia o inicio do frio de uma noite possivelmente longa, Rogério pegou seus óculos e um pequeno livro de onde tirava as mais lindas histórias. Seus netos surpreenderam-se.
-O senhor tem sua história contata nesse livro vovô?
-Tenho meu neto, tantas histórias quanto janelinhas você tem...
De forma incerta respondeu e aprumou a voz.
-Era uma vez...
“Um homem completo, extremamente generoso e esbelto, pelo menos essa foi a descrição dada por sua amada. Casaram-se em novembro numa linda capela. Ela tinha os cabelos sedosos e olhos de jabuticaba, já o homem era o sonho de todas as jovens da região, além de bonito era também muito rico e sempre trabalhou muito para manter sua fortuna.
O casamento foi maravilhoso, lírios estavam por todos os lados e no fim, depois do esperado “sim” saíram sob forte chuva de arroz; A festa foi uma das maiores com direito a banda de Jazz.”
- O que é Jazz?
-Jazz é um ritmo de musica que vovô sempre ouve, sabe? Os sons do vinil?
-Sim...
“Durou dias, dois ou três, todos da cidade estavam presentes e por fim, na lua de mel, fizeram o amor que tanto esperaram. O tempo passou, mas nunca brigaram. Como ela dizia, Ele era seu príncipe e ela sua tão amada princesa. Tiveram dois filhos, um casal que encheu de vida a casa simples em que moravam. Ele sempre economizava seu dinheiro, deixaria tudo a eles quando partisse de sua vida.
A politica com o decorrer dos anos teve grandes mudanças, que afetavam a vida de todos do país, Rogério tinha muitos problemas com isso, pois era, afinal de contas, um artista além de um empresário. Compunha musicas, escrevia livros e pintava quadros. Mas ninguém admirava, pela condição delicada em que nos encontrávamos, por vezes sofríamos repressões. Tal que a mando de um general malvado, fui preso! Sim, cadeia, apenas por expressar minha arte. Julia que havia se casado comigo há tanto tempo ficou desesperada, tinha dinheiro para sobreviver, mas não tinha meu amor para acalmar.
Na prisão, conheci uma jovem moça, muito mais jovem que eu que havia sido presa pelos mesmos motivos, sofríamos tanto que um dia, bateram-na até arrancarem-lhe sangue dos ouvidos. Muitos machucados e eu ficava ali ao seu lado num esgoto escuro, digo esgoto pois era o que parecia. Meu coração que sempre foi de uma mulher somente, estava ali dividido e no calor do momento, nos amamos com medo de morrermos antes disso.
Mas ela morreu, assassinaram-na em minha frente enquanto ela deixava para traz um livro de historias numa tentativa de fuga, peguei o livro e guardei debaixo de uma pedra do local. Chorei por dias, noites, semanas e talvez meses. Um dia fui salvo, perdoaram meu crime de criar historias e desenhar verdades. Voltei para casa e revi minha tão amada mulher, mas o amor tinha se modificado de ambas as partes. Com o tempo, dormíamos em quartos separados, mas para nosso alivio tivemos netos, dois netos. Foi um momento maravilhoso que me recordo bem.
Ela conheceu outro homem que a fazia muito feliz, mais que eu. Decidiu então separar-se de mim, tempos modernos esses em que tal coisa é possível. Meus filhos, seus pais, a levaram para casa dele que ficava em outro estado, estavam de carro e eu fiquei chorando minhas magoas enquanto vocês dormiam em meu colo. Assim morreram, num acidente sem comum.
Em tantos anos, tantos novembros, fico lembrando de minha vida e me arrependo de não ter sorrido tanto assim para todos. Acabei sendo levado pelo acaso e não me levando aonde devia. Essa é a minha historia e guardem bem essa lição, sorriam para a vida e amem acima de tudo. FIM!”
Os meninos não entenderam bem a historia, Rogerio disse que não tinha problema e fechou o livro, mais dois novembros se passaram e ele então morreu.
Meninos criados agora por tios e tias e o caderno de historias perdido no tempo.
Mal sabem eles que o caderno está vazio, nunca houve uma palavra. Tudo que contou era verdade, ou a verdade camuflada de conto de fadas. Foi essa saída de tantas dores, dores de amor, de viver e de peso pela idade. Essa a saída da realidade, contar historia.
César F
Matozinhos/MG - Brasil, 20 anos( Recanto das Letras)
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